sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Viagem à Terra Santa em 2014 - 9. 28 de Abril. Em Jerusalém. 9.3

9.3. Igreja de São Pedro em Galicanto

Saímos da Igreja do Pai Nosso e retomámos o autocarro. Passados alguns minutos, demo-nos conta de que estávamos a passar num local conhecido. Vimos à nossa direita a Igreja de Todas as Nações ou da Agonia, e, logo a seguir, o local da Gruta do Gethzemani e a Igreja do Túmulo de Maria, onde já tínhamos estado no dia anterior. Agora o objetivo era visitarmos alguns dos lugares santos que se encontram a sul de Jerusalém, no Monte de Sião ou por ali perto. Em breve começámos a subir para a encosta oposta à do Monte das Oliveiras, ambas separadas pelo Vale de Josafat. O profeta Joel (Joel 4, 1-17) disse que é ali que os mortos vão acordar primeiro no dia do Juízo Final. E é por isso que muitos cristãos, judeus e muçulmanos escolhem o local para serem sepultados, pagando grandes fortunas para isso.

Um pouco mais à frente, o autocarro desviou para o lado esquerdo, como se fosse a descer novamente para o vale. Mas não tardou a parar e, em poucos minutos, estávamos num miradouro com amplas vistas sobre o vale e a colina em frente, a do Monte das Oliveiras.

 
 
O guia mencionou os túmulos das personalidades bíblicas e históricas que se encontram por ali à volta, nomeadamente lá no fundo do vale: Absalão, filho rebelde do Rei David, Zacarias, Josafate, rei da Judeia no século IX, dos Bnei Hezir, uma importante família judaica de sacerdotes. E falou-nos também um pouco de alguns factos históricos que, através dos tempos, poderiam ter sido presenciados a partir do local em que nos encontrávamos.


Dali fomos conduzidos para a Igreja de S. Pedro em Galicanto, ou Gallicantu, mesmo ao lado, erguida sobre as ruínas do palácio de Caifás, o sumo-sacerdote no tempo de Cristo, cujos poderes excediam em muito a sua condição religiosa. Por isso, o palácio incluía uma poderosa guarda pessoal e estava apetrechado com uma inviolável masmorra. Foi aí que Cristo foi guardado na noite de quinta para sexta-feira santa e humilhado pelos guardas e criadagem do palácio. E foi então que aconteceu a cena da criada de Caifás que olhou para Pedro e disse que ele era um dos do grupo de Cristo. Três vezes a criada lhe perguntou e três vezes Pedro negou. Após o que o galo cantou e Pedro lembrou-se do que o Mestre lhe tinha dito umas horas antes: negar-me-ás três vezes após o que o galo cantará outras três.

É esta cena que está gravada na linda porta de bronze da igreja, construída em 1931.

Pedro ouviu o galo cantar e chorou amargamente. No meu ponto de vista sem razão para isso. Primeiro porque foi bastante corajoso em manter-se por perto de Cristo sabendo que corria riscos. Segundo porque a sua tripla negação foi um golpe espontâneo de inteligência para sair daquilo que, em linguagem militar, se chama zona de morte, ou, numa linguagem mais suave, para impedir passar para a mó de baixo. Se a sua coragem tivesse sido extrema, muito provavelmente teria havido, no Monte Calvário, quatro cruzes em vez de três. E, como Pedro tinha sido escolhido para pedra angular, talvez hoje nem sequer houvesse igreja cristã. Pedro foi inteligente e não tinha que se sentir envergonhado, nem o podemos recriminar pela sua tripla negação. Poderíamos dizer que, se tem caído na mó de baixo, ele teria sido tratado com humanidade pelos guardas de Caifás, seguramente amantes da lei de Moisés, portanto judeus devotos respeitadores do ser humano. Mas o que a prática nos ensina é que, nas religiões, muitos dos mais devotos são os mais extremistas, radicais e violentos. Veja-se o que acontece agora. Cortam-se cabeças a inocentes em nome de Deus e divulgam-se vídeos na net. E nem se diga que os guardas iriam ter em conta que ele era apenas um amigo de Cristo e que isso não justificava que lhe dessem igual humilhação, pois a verdade é que as coisas não costumam ser bem assim. Nessas alturas, não há lei que se aplique, a não ser a regra prática de que filho de cobra é cobra e que cobra é para matar seja ela grande ou pequena.
 

A fachada e a porta da igreja são um livro aberto e justificam uns minutos de atenção. É contada por imagens impressionantes a história de Pedro. Os baixos-relevos das portadas são muito belos e explicativos por si mesmos.


 
Non cantabit hodie gallus... donec ter abnosses me. 

O interior da igreja está bem iluminado e muito bem pintado, o que permite ver as diversas cenas representadas nas paredes da capela-mor e junto aos altares laterais, que contam as múltiplas histórias de Pedro.




Por uma porta logo à entrada, no lado esquerdo, começámos a descer para os níveis inferiores, onde a arqueologia foi descobrindo o que chegou até nós do palácio de Caifás.
 
Capela no primeiro nível da cripta.

Num dos pisos é obrigatória uma paragem mais demorada, pois uma lápide e uma imagem chama-nos a atenção para o facto de ter sido ali que Cristo foi guardado e maltratado, numa orgia de malvadez dos guardas e não só. Também parte da criadagem do sumo-sacerdote terá participado nesse festim. E foi uma das criadas que tentou caçar Pedro.


 
Uma vez chegados ao ponto mais baixo das ruínas, saímos para o espaço exterior, onde foram os jardins do palácio. Aí continuamos a ver mais vestígios que, a pouco e pouco, os arqueólogos têm revelado. Floram encontrados mosaicos e outros objetos, prova de que ali existiu uma igreja bizantina no século V ou VI.


A nossa sensibilidade não pode ficar indiferente quando nos chamam a atenção para um caminho antigo, recentemente posto a descoberto, que vai subindo pela ladeira acima até às muralhas. As pedras da calçada desse caminho são supostamente aquelas que Cristo pisou quando foi levado do palácio de Caifás para ser presente a Pilatos para este confirmar a sentença de morte.


Com a ajuda da nossa imaginação podemos reviver essa cena. Podemos mesmo ir um pouco mais longe. Se olharmos para o mapa da cidade ao tempo de Cristo, vemos que a casa da Anás era um pouco mais acima, embora não muito distante. Na nossa tradição linguística existe a expressão de andar entre Anás e Caifás para ser usada quando queremos dizer que andámos de um lado para o outro e não resolvemos nada. Talvez Cristo tenha subido e descido várias vezes essa calçada na noite de quinta para sexta feira-santa, ouvindo ameaças e impropérios da criadagem num palácio e no outro e, pelo caminho, dos viandantes.


Emocionados retomamos a subida para um terreiro em frente da igreja.


A um nível superior existe uma loja de recordações com um recanto para um café e com casas de banho asseadas.

Após o que retomamos o autocarro para seguirmos para o próximo objetivo: Cenáculo, Igreja da Dormição e Túmulo do Rei David.

O autocarro parou num pequeno parque perto da Porta de Sião (Zion Gate).  Aí o guia Sebastião pediu para observarmos essa porta, chamando-nos a atenção para os inúmeros impactos de projéteis que se encontram bem marcados nas pedras. Houve ali uma renhida batalha entre o exército Jordano e o israelita em 1948, quando o Bairro Judeu no interior da cidade foi letalmente cercado. Os israelitas tentaram socorrê-lo por todos os meios, incluindo o uso de poderosos explosivos para poderem penetrar através da muralha.

 
 
Não ficámos a saber então qual foi o desfecho desta batalha. Mais tarde, na guerra dos seis dias em 1966, houve ali também renhidos confrontos até os israelitas conseguirem entrar na cidade. As pedras martirizadas da fachada testemunham bem a dureza dos confrontos.

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