quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Passagem de ano em Cabo Verde – 9. A cidade de Nova Sintra.

A ilha Brava é, de todas as do arquipélago de Cabo Verde, aquela que, geograficamente, mais longe fica de Portugal. Contudo, das três ilhas que, desta vez, pude visitar, foi aquela em que me senti mais em casa.
Primeiro foi o quarto da pensão Viviplace que me recordou a casa de minha mãe na minha terra natal.


Tem o mesmo cheiro, o mesmo tipo de roupa de cama, o mesmo tipo de oleado plástico a resguardar o chão. Depois foi a simpatia das pessoas na rua. É obrigatório dar os bons dias a toda a gente. E ainda mais aquele colorido das casas, o traçado e o arranjo das ruas. Compreendi por que chamam à capital da Brava Nova Sintra. Há semelhanças bem evidentes com a Sintra portuguesa que os poetas Luís de Camões e o britânico Lord Byron cantaram. O mesmo ambiente atmosférico, a mesma arquitectura dos séculos dezoito e dezanove e o mesmo tipo de paisagens. Podemos ler na Wikipedia que “In 1809 Lord Byron wrote to his friend Francis Hodgson: "I must just observe that the village of Cintra in Estremadura is the most beautiful in the world.”
O que teria dito Lord Byron se tivesse tido a oportunidade de ir a Nova Sintra?
Esta linda terra teve o seu próprio poeta, Eugénio Tavares, que não se cansou de a cantar e de clamar que é a mais bonita do mundo.
Bem, o nosso quarto na Viviplace ficava no piso térreo com a janela para a rua. Numa terra em que, por tradição, ninguém se deita na noite de ano novo e fica bêbado de sono ou de bebidas, dá para imaginar a falta de condições que tivemos para um mínimo de descanso. Passaram, com frequência e durante toda a noite, pessoas isoladas ou em grupo, a falar, a declamar, a cantar e a fazer todos os ruídos que possamos imaginar. A certa altura, um grupo de homens alcoolizado quedou-se em frente da nossa janela e parecia que os tínhamos a discutir dentro do nosso quarto.
Assim, logo que veio o dia, arranjámo-nos e fomos dar a primeira olhadela à cidade. Lá andavam, na praça principal e nas ruas anexas, muitas pessoas a vaguear sozinhas ou em grupo, resistindo teimosamente ao cansaço da noite de folia.
Junto ao miradouro do Castelo, na Rua Almirante Reis, fomos abordados por um grupo de adolescentes, meio alcoolizados, muito faladores. Um deles não se inibiu de mostrar exuberantemente a sua admiração pelos portugueses e por Portugal. Diziam:
Foram os portugueses que criaram o nosso país, defenderam as nossas fronteiras e nos educaram. Se não fosse o Hospital D. Estefânia em Lisboa, para onde fui com cinco anos para ser tratado a uma doença grave, não sei o que teria sido de mim. E mais. E mais.
Aquilo que nos parecia, ao princípio, ser uma conversa fiada de jovens efusivamente comunicativos acabou por nos comover e perturbar por vermos que resultou de uma espontaneidade livre e sincera.
Após um primeiro passeio, voltámos à pensão para o pequeno-almoço.
Estava tudo ainda em silêncio. Sentámo-nos no pátio numa das muitas cadeiras de plástico vermelhas, em que metade tem o logo da Cerveja Sagres e a outra o da Cerveja Super Bock. Aproveitámos o tempo de sossego para leitura e tomar notas. Até que apareceu o Sr. Vivi, visivelmente preocupado, dizendo que o pessoal lhe faltou e que ele próprio nos iria preparar o pequeno-almoço. Já quase no fim do nosso café, apareceu a primeira empregada, afogueada, dizendo que mora na Senhora do Monte e que não tinha podido vir mais cedo porque não havia transportes. Um pouco depois apareceu a outra. E ambas passaram a preocupar-se connosco. E como chegou a hora que tínhamos combinado para nos virem buscar para irmos conhecer a ilha e ninguém aparecia, elas próprias se preocuparam em telefonar para saberem o que se passava. Bem só lá para o meio-dia e meia é que poderão vir, disseram-nos.
E aí decidimos sair para uma segunda visitinha à cidade.




Caminhando por uma das ruas, perguntámos a um rapazinho de onze ou doze anos onde era a casa de Eugénio Tavares. E logo se prontificou a levar-nos até lá. Seguiu silencioso à nossa frente, mas detendo-se sempre que nos via a observar alguma coisa ou a tirar fotografias. Logo que chegámos disse tão somente: é aqui. E foi à sua vida.


A Casa Museu de Eugénio Tavares está bem cuidada por fora.



Ao lado tem uma estátua em bronze do poeta em tamanho natural, sentado, segurando uma folha com o hino bravense.


Hino Bravense

Terra crioula, terra natal,
Tamanho e forma de um coração
Que Deus te guarde de todo o mal
Que em torno de ti o mal ruja em vão.


Filha da lava e filha do mar
Que a lava aquece e que o mar rebeija
Tua alma. Ó Brava. Com que adeja
Asa de sonho solta ao mar.


Nunca amainaste na tempestade
As velas cândidas da clara esperança.
Nunca deixaste de, na bonança,
Ser forte e doce como a saudade!


Côro
Teus filhos amam o largo mar.
O mar que os leva e que os traz de espaço.
Choras se partem p’ra não voltar.
Cantas se voltam ao teu regaço.


Este poema singelo expressa bem a realidade da ilha e dos bravenses, com os seus sentimentos e a sua diáspora. O destino mais comum dos emigrantes é a América. Tenho um amigo que fez carreira comigo no Banco de Portugal cuja família é originária de Cabo Verde. A sua mãe nasceu em Nova Sintra. Mas a família emigrou praticamente toda. Um dos sobrinhos do meu amigo, Donaldo Macedo é director da Universidade de Massassuchets (EUA) e voltou à Brava para restaurar a casa de família. E um dos irmãos do meu amigo é senador republicano. E ao que nos disseram, muitos dos bravenses emigrados deram origem a muita gente bem colocada na vida económica, intelectual, social e política americana e nunca esquecem as suas raízes de origem.
Continuámos a nossa digressão observando as pessoas, as casas, a paisagem.




Chegámos à Igreja Paroquial de S. João Baptista.
Logo à entrada estava o Sr. Vivi impecavelmente vestido com o seu fato escuro e camisa com colarinho e punhos bem engomados. Como é bem encorpado, os seus sapatos, por serem muito grandes e brancos, não passaram despercebidos. Assistimos a parte da missa em que as leituras e o evangelho foram lidos em português. Já a homilia foi feita em crioulo por um padre jovem e entusiasmado. A igreja estava repleta, havia alguns jovens e estava decorada com enfeites coloridos. O presépio tradicional estava numa gruta à esquerda no local da pia baptismal, onde foi baptizado o poeta Eugénio Tavares, em 5 de Novembro de 1867.



Saímos já um pouco apressados para regressar à pensão para o encontro marcado com o condutor e guia que nos iria guiar e mostrar a Ilha Brava.

Nota: É fácil encontrar mais informações sobre o poeta Eugénio Tavares na internet.

1 comentário:

Sara disse...

Um lugar bom o suficiente para que você possa ver e também muito tranquila, espero que todos tenham a oportunidade de viajar de um lugar para saber que estou agora a tentar obter um Apartamentos em buenos aires