quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 8. 27 de Abril de 2014. Em Jerusalém. 8.7

8.7. Basílica da Natividade

A viagem do Campo dos Pastores para a Basílica da Natividade foi relativamente curta. O autocarro acabou por parar num parque num dos pisos abertos de um grande edifício urbano, que me pareceu ser o mesmo onde estacionou durante o período do nosso almoço. Fica bastante perto da Basílica e o percurso até lá demora uns escassos minutos a percorrer a pé.
Chegámos à Praça da Manjedoura que logo reconheci, pois tinha estado a ver fotografias no Google.
O edifício da Basílica é surpreendente pelo seu aspeto antigo e pela originalidade de não ter uma grande porta de entrada, nem uma fachada decorada a preceito.


É uma das mais antigas igrejas da cristandade, pois está ali, com muitos aspetos originais, desde o ano 326 da nossa era. Mandada construir pelo imperador Constantino, foi reconstruída pelo imperador Justiniano no ano 530. Resistiu, desde então, a todas as investidas e devastações das ondas e marés da história. Conta-se que, numa delas, a de Saladino, esteve quase para ser destruída. Mas aqueles que iam com a missão de não deixar pedra sobre pedra, depararam-se com pinturas onde havia uma caravana de camelos e homens com trajes e utensílios usados pelos árabes. Eram os reis magos. A notícia chegou a Saladino que decidiu que aquela igreja não iria abaixo por ter sinais da sua própria cultura.
Um outro aspeto que impressiona é o facto de a porta de entrada ser minúscula, ao ponto de termos de nos baixar e muito para podermos entrar nela.


Chamam-lhe a porta da humildade. Vêem-se, na fachada, os vestígios do grande portal original, com um arco agudo em cantaria trabalhada. A razão da porta ser assim é meramente defensiva e foi reduzida ao tamanho atual no período otomano. Os árabes, quando dominadores, usavam fazer investidas rápidas e de surpresa pelos lugares de culto dos cristãos, montados nos cavalos, aproveitando para decepar as cabeças daqueles que apanhavam a jeito. Por outro lado, aproveitavam para introduzir as carroças nas igrejas para carregarem mais facilmente os produtos dos saques. Com a porta assim reduzida, tinham de se inclinar para entrarem. E então, quando se baixavam os intrusos ficavam logo com a cabeça a jeito para ficarem sem ela.

Uma vez entrados na igreja, sofremos a primeira impressão sobre a Basílica.
 
 
Um espaçoso ambiente escuro com múltiplos andaimes armados junto a todas as paredes e colunas. Parecia mais um estaleiro de obras do que uma igreja célebre. Estavam a decorrer importantes trabalhos de manutenção.
 
Mas fomos logo encaminhados para uma porta que se encontra ao fundo da basílica no lado esquerdo de quem entra. E fomos dar a um bonito claustro que nos fez lembrar os claustros de alguns conventos do norte de Portugal. Este lindo espaço, que tem quatro canteiros verdes, um em cada canto, tem ao centro uma coluna relativamente alta com a estátua de S. Jerónimo no cimo. É conhecido por Claustro da Igreja de Santa Catarina.
 

Foi construído em estilo dos cruzados em 1948, tendo sido aproveitadas algumas das colunas e capitéis de um mosteiro agostiniano que aqui fora construído no século XII, em substituição de um outro que ali existira desde o século V, associado à longa estadia no local de S. Jerónimo.

Passámos depois à igreja de Santa Catarina que foi construída pelos franciscanos em 1880. Esta igreja é muito bonita. Está decorada sobriamente e muito bem iluminada. Destaca-se por baixo da mesa do altar, uma vitrina com uma linda imagem do Menino Jesus que parece ter vida.

Entrámos numa espécie de catacumbas por baixo da igreja.


São várias grutas ligadas entre si, onde se diz que S. Jerónimo se retirou durante um longo período para meditar e escrever a sua Vulgata, um texto bíblico em latim, que passou a ser conhecida a partir do ano 404. S. Jerónimo procurou responder ao desejo do papa de então para que fosse usada na Igreja Católica a Bíblia num único texto e em latim. S Jerónimo era um sábio veneziano com um espírito de viajante aventureiro. Estabeleceu nestas grutas o seu posto de trabalho. Podia, por uma comunicação no fundo, aceder diretamente à Gruta da Natividade. Nós, para chegarmos a essa Gruta, tivemos de ir à volta e fazer o percurso inverso do que nos levou até ali.

Regressámos à Basílica da Natividade e fomos logo juntar-nos à fila de peregrinos que aguardava pelo ingresso na Gruta da Natividade.

O tempo médio de espera é de cerca de uma hora, mas nós tivemos sorte pois só esperámos uns vinte minutos. Uma vez na fila, aproveitámos para observar e ir tirando fotografais a algum pormenor que nos chamou a atenção.
O interior da Basílica, com três naves, é de luz muito sóbria, de profunda religiosidade, com a decoração própria dos templos ortodoxos. Tem muitos turíbulos suspensos do teto e muitos quadros com pinturas, representando a Virgem Maria e o Menino Jesus. As naves são suportadas por quarenta e quatro colunas, tendo algumas, que são lisas, pinturas de santos. Provavelmente os trabalhos de manutenção irão cuidar, nomeadamente, de tornar estas pinturas mais visíveis, pois já se encontram meio apagadas.


A fila formou-se e foi avançando na nave do lado direito de quem está virado para o altar-mor. Os guias tiveram o cuidado de convidar as pessoas mais idosas para se irem sentar nos bancos da nave central, mais perto do altar-mor e aí esperarem pela vez de entrarem na Gruta. Durante o tempo de espera não deu para pôr conversas em dia, pois os avisos para o silêncio são bem visíveis. Quando os avisos não eram respeitados, os guias chamavam a atenção dos mais descontraídos e distraídos. E se isso não bastava, vinha alguém incumbido da guarda da igreja fazer uma repreensão mais severa.
 

Chegou o emocionante momento de descermos os degraus que dão acesso à Gruta, que está por debaixo do altar-mor da Basílica.

 
É relativamente pequena, diria que tem cerca de metade da área da Gruta dos Pastores ou da Gruta do Getsémani, mas suficientemente ampla para as pessoas estarem de pé e se movimentarem. O ponto de referência principal é o recanto onde supostamente Jesus teve a sua primeira caminha e que está assinalado com uma estrela de prata, com catorze raios, com um vidro opaco redondo no centro, depositada em cima de uma chão de mármore claro.

 
 

Devota e respeitosamente baixei-me, ajoelhei e toquei os raios dessa estrela e o mármore do chão com as duas mãos e chamei ao pensamento a minha querida Família. Formulei um pedido de proteção divina para ela e de agradecimento por tudo o que tenho conseguido. Acredito sinceramente que muitas cosias boas só me aconteceram porque Deus esteve por perto.
Fiquei feliz por passar a fazer parte dos muitos milhões de pessoas que ali estiveram e tocaram os raios daquela estrela com o mesmo estado de espírito que eu senti.

O tempo ainda deu para observar mais em detalhe a Gruta e registar alguns pormenores mais interessantes.
Subimos os degraus da saída para a Basílica, no lado oposto à entrada.
 

Surgiu então a oportunidade de podermos passear e ver o interior, muito obnubilado pela densidade dos andaimes.

Não tardou a passarmos novamente pela porta da humildade e estarmos na Praça da Manjedoura. É bastante ampla. O chão está coberto com lajes de pedra. É surpreendente o minarete da mesquita que se ergue no outro lado. E mais surpreendente nos pareceu quando os seus altifalantes começaram a difundir o convite para a oração dos crentes muçulmanos.
 
O regresso ao autocarro já foi quase em corrida.

A viagem de regresso foi interrompida pouco depois de ter começado para pararmos numa loja de recordações de uma família cristã, onde os nossos guias já são bem conhecidos e onde aproveitámos para usar as casas de banho. Como habitualmente, só compra quem quer, mas nem sempre resistimos à tentação de comprar mais uma pequena recordação. Eu comprei apenas um pequeno presépio trabalhado, em madeira de oliveira, que me pareceu interessante.
Uma vez no autocarro, comecei a rever o que tinha visto e em que medida é que tudo se encaixa na informação que tinha sobre a história da Natividade.

Quando estava no seminário das missões fazíamos a novena do Natal. E então cantávamos um salmo profético do velho testamento, em latim, que comecei a cantarolar baixinho:
Bethlehem, civitas Dei summi, ex te exiet Dominator Israël,et egressus ejus sicut a principio dierum æternitatis, et magnificabitur in medio universæ terræ,et pax erit in terra nostra dum venerit.

Cantei-o tantas vezes em pequeno, que nunca mais o esqueci.
Depois lembrei-me da história da Natividade contada por S. Lucas:

Naqueles tempos apareceu um decreto de César Augusto, ordenando o recenseamento de toda a terra. Este recenseamento foi feito antes do governo de Quirino, na Síria. Todos iam alistar-se, cada um na sua cidade.

Também José subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à Cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, para se alistar com a sua esposa Maria, que estava grávida.

Estando eles ali, completaram-se os dias dela.

E deu à luz seu filho primogênito, e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Havia nos arredores uns pastores, que vigiavam e guardavam seu rebanho nos campos durante as vigílias da noite.

Um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor refulgiu ao redor deles, e tiveram grande temor.

O anjo disse-lhes:

Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo: hoje vos nasceu na Cidade de Davi um Salvador, que é o Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em faixas e posto numa manjedoura.

E subitamente ao anjo se juntou uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus e dizia:

Glória a Deus no mais alto dos céus e na terra paz aos homens, objetos da benevolência (divina).

Depois que os anjos os deixaram e voltaram para o céu, falaram os pastores uns com os outros: Vamos até Belém e vejamos o que se realizou e o que o Senhor nos manifestou.

Foram com grande pressa e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura.

Vendo-o, contaram o que se lhes havia dito a respeito deste menino.

Todos os que os ouviam admiravam-se das coisas que lhes contavam os pastores.

Maria conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração.

Voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, e que estava de acordo com o que lhes fora dito.

Quando isto aconteceu, o território que hoje é Portugal fazia parte também do império romano. Será que na província da Lusitânia alguém se terá preocupado com o Decreto de César Augusto? Haverá por cá alguma referência histórica a esse documento tão importante?
A sagrada Família vivia em Nazaré. Desde lá até Belém são cerca de cento e sessenta quilómetros pelas estradas modernas.

Naquele tempo, havia apenas caminhos mal assinalados por montes e vales e cheios de perigos múltiplos. Uma viagem em jumento, por mais ágil que ele fosse, demoraria mais de uma semana. Acresce que, na Terra Santa, os invernos não são muito suaves, caindo neve com alguma frequência. Como é que o pai da família, José, ousou empreender uma viagem destas conhecendo bem o estado de gravidez avançada de sua mulher? Simplesmente para se recensear? Podia fazer isso muito tempo depois, e, então, já poderia recensear o Menino também.
Só o podia ter feito por insondáveis desígnios. De outro modo poderíamos dizer que foi um empreendimento assumido com elevada irracionalidade.

Ou será que não haverá aqui um equívoco universal? Perto de Nazaré, a vinte e cinco quilómetros, há uma outra cidade de Belém, muito mais ao alcance de uma viagem num burrinho, mesmo levando uma mulher grávida. A diferença fundamental está em que, na Belém perto de Jerusalém nasceu o rei David e aí foi coroado. E da cidade de Belém perto de Nazaré quase ninguém fala.
Estava eu nestas considerações quando os companheiros da parte da frente do autocarro suscitaram um pequeno alvoroço a dizer que o vidro ia cair. O condutor encostou à berma e foi verificar, tendo ajustado melhor a fita-cola que segurava os encaixes da borracha. Regressou e parou um pouco mais à frente junto a uma loja tipo drogaria. Veio de lá com um novo rolo de fita-cola, acompanhado pelo lojista que o ajudou a refazer a colagem p

Um rapazinho com uns treze anos estava a chegar a casa com a mochila às costas e quedou-se junto ao portão da casa para observar a reparação. Em certo momento o seu olhar cruzou-se com o meu e vi-o libertar um sorriso encantador a partir de um rosto moreno e de uns olhos largos com duas pupilas muito negras, tipo azeitonas pretas.
Feita a reparação, retomámos a nossa viagem para Jerusalém, para o Hotel Olive Tree, onde chegámos ao começo da noite.

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