terça-feira, 27 de março de 2012

Em terras muito distanciadas, a mesma data e uma mesma motivação

1. O começo do século XVII foi muito agitado e marcante em toda a Europa. Estava-se no auge das grandes cisões da cristandade com o aparecimento de diversos ramos de protestantes, habilmente aproveitados pelos senhores da política e da guerra para fazerem valer o seu poderio. Os papas eram os grandes senhores da religião e da política. Mantinham em curso a construção do Vaticano, obra rica e gigante que ia avançando à custa do dinheiro que ia chegando de todo o mundo, muito dele obtido com a venda de indulgências. As lutas entre cristãos, católicos e protestantes, eram ferozes, com matanças mútuas e frequentes. Ficou célebre a tenebrosa “Noite de S. Bartolomeu” em que muita gente, incluindo mulheres e crianças, foi brutalmente sacrificada. Em 1618, estalou uma das mais longas e sangrentas guerras europeias: a Guerra dos Trinta Anos. Estava no poder do Vaticano o Papa Inocêncio VIII que ficou conhecido, nomeadamente, por ter preenchido a cúpula da direção da Igreja Católica com familiares seus, sobrinhos e irmãos, feitos cardeais à pressa, para assegurar o controlo do vasto poderio religioso e político de que então gozava. Foi durante o seu pontificado que Galileu foi afrontado pelos tribunais da Inquisição, tendo escapado à morte por pouco. Não se livrou, contudo, da prisão perpétua, amenizada por ação direta do Papa na forma de desterro com residência fixa e proibição de manifestar publicamente as suas ideias científicas. Apesar dessa opinião desfavorável, para nós portugueses, este Papa foi um amigo, pois, por influência direta do nosso poderoso Bispo de Coimbra, canonizou-nos, em 1625, a Rainha Santa Isabel.

Muitos dos católicos, mantendo-se fiéis à Igreja e à sua crença, procuraram a sua forma de indignação contra os exageros através da redenção pelo isolamento, a pobreza e a austeridade. Assim aconteceu com um grupo de homens que acabou por fundar uma ordem religiosa no cume da montanha bíblica de Elias, o monte Carmelo. Esse grupo de religiosos, hoje tido como uma ostensiva face expiatória dos excessos da Igreja, espalhou-se rapidamente por todo o mundo, chegando também a Portugal. E não foi casualmente que se dirigiram ao Bispo de Coimbra, que logo os acolheu e lhes cedeu uma das montanhas dos seus domínios, a montanha do Bussaco.

E aí eles construíram um convento com ar austero, nas alturas da serra onde a flora era variada e generosa. No cimo da serra, ergueram uma grande cruz. E até essa cruz traçaram uma sinuosa vereda, onde dispuseram ermidas com as várias estações da Via Sacra, com figuras de madeira ou barro de quase tamanho natural.


O General Wellington, em 27 de Setembro de 1810, pernoitou numa das salas reconditas desse Convento quando delineava a estratégia para repelir o invasor francês Massena.


Por cima da porta do Convento deixaram, para a posteridade, inscrita a data de 1628.


2. A partir da Cruz Alta da Serra do Bussaco, saiamos num voo imaginário no sentido de Espanha. Passemos por cima da Serra da Caramulo e depois da Serra da Estrela. E poisemos nessa pequena aldeia que me é especialmente querida: a Capinha.

Como seria a vida lá no começo do Século XVII?

Em Portugal dominava o regime filipino (Filipe III cá e IV em Espanha). Sabemos que o povo estava a ser sacrificado com impostos excessivos e com obrigações de serviço público e militar muito gravosas. Para o poder dominante, todos os caminhos eram bons se fossem dar a Espanha. A Ponte da Meimoa é disso um exemplo e é uma obra filipina dessa época.

Mas como era a vida do bom povo de então? É seguro dizer que a aldeia tinha muito mais gente do que tem hoje. E que, nessa época, teve um grande desenvolvimento ao ponto de ser capaz de erguer a bonita igreja matriz que hoje podemos admirar. Com três naves, elegantes, colunas interiores em granito bem trabalhado e com vistosos altares em talha dourada. Estes têm uma expressiva decoração que, de certo modo, regista o espírito da época e dessa gente trabalhadora e humilde com notável fé e temor religioso.


No lado direito do arco granítico da capela-mor da Igreja deixaram registada a data de 1628.


3. 1628, uma mesma data, registada em locais bem distantes do nosso Portugal, em obras erguidas com uma mesma motivação: a fé religiosa.

1 comentário:

Mariana Ramos disse...

Bela lição de História!
Devias escrever mais frequentemente.
Beijinhos
M