quarta-feira, 11 de junho de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 – 6. Dia 25 de Abril, em Tiberias. 6.1

6.1. Hotel Leonardo Club

Para nós, o dia 25 de Abril começou cedo. Não por qualquer razão especial. Só que a falta de sono permitiu-nos que, às seis da manhã, estivéssemos levantados, na varanda do nosso quarto, num dos pisos superiores do Hotel Leonardo Club, a ver nascer o sol.

Hotel Leonardo Club em Tiberias

Conversávamos que em Portugal era feriado e lá eram quatro da manhã: “Ainda dormem e hoje como é feriado vão aproveitar para relaxar mais um pouco”.

Mas ao mesmo tempo pensávamos em quantas vezes Jesus Cristo e os seus apóstolos terão visto nascer o sol naquele ponto em que hoje está a nascer. O horizonte visual de nascente é o mesmo desse tempo.


Está o Mar da Galileia à nossa frente e, na margem de lá, erguem-se montanhas, que já são da Jordânia. As mesmas e com o mesmo perfil que existiam no tempo de Cristo. Não são visíveis manchas de povoados nem riscos de estradas. Pensando assim sentimos o nascer do sol desse dia como muito especial, como uma bênção.

Chegou a hora de descermos para o pequeno-almoço e logo nos apercebemos de que aquele hotel era amplo e preparado para o turismo de massas. Havia uma multidão de cristãos da Etiópia, com o seu jeito especial de andar, as suas conversas em língua de que não distinguíamos uma palavra, usando as mulheres um xaile branco e os homens roupa branca. Os clérigos apresentavam-se de batina preta, barrete preto e alguns usavam uma cruz ao peito como usam os nossos bispos. Consegui fazer pequenas conversações com alguns deles em inglês e fiquei com imensa curiosidade em saber mais acerca destes cristãos etíopes de quem o Prestes João, a mando do Rei D. Manuel foi à procura. Num dos dias seguintes, aconteceu mesmo que fomos abordados, eu e aminha mulher, por dois jornalistas, um homem e uma mulher, ambos na casa dos quarenta, que nos entrevistaram para uma rádio etíope. Estava ali uma numerosa excursão de etíopes transportada em oito autocarros. Se pensarmos que um autocarro leva cerca de quarenta passageiros, podemos concluir que este grupo tinha entre trezentas e quatrocentas pessoas.

Hotel Leonardo Club, vista interior

Entrámos no autocarro para começarmos o nosso dia de trabalho de turista. Tomámos a direção norte. E digo isto porque o nosso guia Sebastião logo nos apontou os Montes Golan que se erguem altivos sobre o bico norte do Mar da Galileia, ou seja o Mar de Tiberíades.

Começámos a subir uma montanha e o Sebastião foi aproveitando o tempo para nos dar mais uma lição de história. No tempo do profeta Elias, no século nono antes de cristo, o Reino dos Judeus tinha os fenícios a norte e os filisteus a sul. Eram povos ribeirinhos do Mediterrâneo. Não se pode dizer que a convivência fosse pacífica, mas aguentou-se durante séculos, o que permitiu aos judeus repelirem diversas ameaças que vieram do interior. Depois vieram os romanos e com eles foi possível uma coabitação de séculos. Já falámos de Herodes o Grande a propósito de Cesareia.

Um pouco mais tarde, veio Jesus Cristo, homem que ao princípio não preocupava ninguém, mas que acabou por incomodar muita gente com os seus atos e com as suas mensagens ao ponto de dar origem a uma nova era adotada agora universalmente.

Morreu ele e os seus seguidores logo começaram a venerar todos os lugares que, de uma maneira ou de outra, tinham algo a ver com ele. Onde nasceu, onde parou para pregar, onde bebeu água, onde fez milagres. Em todos esses lugares marcados pelo testemunho de muitos que o tinham conhecido pessoalmente, eram erguidas ermidas e eram lugares de reunião e peregrinação. Os romanos não gostaram disto e decidiram trazer de Itália uma quantidade considerável de templos em mármore branco que ergueram sobre as ruínas das primeiras ermidas cristãs que, obviamente, destruíam. O princípio era que podiam continuar a ir aos locais mas para adorar os deuses romanos.

Contudo, mais tarde, o imperador romano deixou de perseguir os cristãos e ele próprio converteu-se e declarou o cristianismo a religião oficial do império.

Helena Augusta, mulher do imperador Constâncio Cloro e mãe do Imperador Constantino, converteu-se ao cristianismo que abraçou de alma e coração, e partiu ela própria em pessoa, já a caminho dos oitenta anos, para a Terra Santa, aproveitando a hegemonia dos romanos para fazer aquilo que só se compreende como sendo o percurso do destino. Foi reabilitar todos os lugares santos. E como os identificaria ela? Escolheu a maneira mais fácil. Onde havia templos aos deuses romanos pagãos, aí teriam sido e eram os lugares santos, uma vez que esses templos tinham sido erguidos dobre as ruínas das primeiras ermidas cristãs. As colunas e capitéis de mármore foram então, na maior parte, retirados e aproveitados por particulares ou militares para os mais diversos fins. Os arqueólogos vão encontrando aqui e ali exemplares, por vezes meio destruídos, por vezes bem conservados, mas quase sempre fora dos seus locais de origem.

Mias tarde, cristãos e muçulmanos foram-se revezando no domínio da Terra Santa, quase sempre destruindo uns o que os outros tinham construído. Em 1187, o sultão do Egito, Saladino, reconquistou Jerusalém aos Cruzados. Deu-se então um acontecimento insólito. Saladino, arauto da religião muçulmana, dominou a Terra Santa, sendo bastante tolerante em relação a muitos dos lugares santos e às peregrinações dos cristãos. E eis que, certo dia, depois de muitos anos de reinado, conseguiram chegar até ele uns homens do ocidente, meio descalços, vestidos de burel castanho, andrajosos e humildes que o conseguiram convencer de que os lugares santos, se bem conservados, atrairiam multidões ao seu império o que seria muito bom em termos de prosperidade económica. E não é que Saladino decretou que a guarda dos lugares santos ficava a cargo desses frades andrajosos liderados por S. Francisco de Assis? E não é que esse estatuto ainda hoje se mantém na maior parte desses lugares?

Com estas histórias do Sebastião nem dei pelo tempo a passar.

O autocarro parou junto a uma cancela que, passados uns minutos se levantou. Recomeçámos a marcha por uma estrada alcatroada com os cômaros laterais bem cuidados, meio cobertos de flores de cores diversas. De vez em quando aparecia lá no fundo, no lado direito inicialmente e depois no lado esquerdo, a mancha azul do Mar da Galileia.

Não tardou que o Sebastião nos dissesse que tínhamos chegado ao Monte das Bem-Aventuranças.

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