domingo, 12 de outubro de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 8. Em 27 de Abril. Em Jerusalém. 8.6


8.6. Campo dos Pastores

A ideia de poder visitar o campo onde os anjos anunciaram o nascimento de Cristo aos pastores fez-me viajar ao passado, aos meus tempos de criança e de adolescente. Isto porque nos presépios que fui conhecendo, as figurinhas de pastores, de ovelhas, de cães de guarda e de carros de bois atraíam-me muito, pois via nelas um encanto muito especial por me permitirem reviver lugares e costumes da minha aldeia natal. Lá, o presépio, grande, era sempre armado junto ao altar de S José. Tinha muitas figuras e luzes e representava, em miniatura, altos montes, encostas e planícies com muitos tons verdes. Participei várias vezes na apanha do musgo e ainda hoje sinto o aroma do cheiro húmido da terra e do húmus.

Durante os dois anos que passei no Convento de Cristo em Tomar, seminário das missões, de Outubro de 1957 a Julho de 1959, era obrigatório passar lá o Natal. O presépio era então feito no Cruzeiro, ou seja, no local onde os dois maiores corredores do convento se cruzam e onde está, ainda hoje, uma imagem de Cristo coroado de espinhos que, na altura do Natal, era encoberta. Lembro-me de que, um dos padres tinha especial jeito para montar o presépio, animando-o por vezes com figuras em movimento. Recordo em especial um moinho branco com velas que se moviam no cimo de um monte e um minicurso de água verdadeira. Os pastores e as ovelhas tinham sempre, nesse presépio, um lugar de destaque. E recordo a linda imagem de um pastor, um pouco maior que os outros, que tinha dependurada do ombro uma miniatura de uma verdadeira flauta de cana.

No Seminário das Missões de Cernache do Bonjardim, o presépio era feito junto a uma das portas ao meio do refeitório. Era lá que fazíamos todos os dias uma pequena cerimónia em que cantávamos canções da época.

Em todos os presépios era habitual haver a expressão latina GLORIA IN EXCELSIS DEO, normalmente em letras douradas, sobre a gruta onde estava o Menino Jesus.

Depois vi presépios e alusões ao Natal nos mais variados sítios e lugares.

Num certo ano, na Tailândia, o Pai Natal chegou montado num enorme elefante para distribuir os presentes aos hóspedes do hotel. Ainda estávamos sentados à mesa do jantar que decorrera num ambiente húmido e abafado junto a uma larga piscina toda iluminada.

De outra vez, em Sânia, no sul da China, o Pai Natal chegou vestido a preceito, ao som de canções de Natal tradicionais portuguesas porque o gerente me pedira antes se eu tinha música de Natal. Eu emprestei-lhe uma cassete que tinha levado para lá e foi a música que se ouviu nas partes comuns do hotel, pelo menos enquanto nós lá estivemos. E digo pelo menos porque o gerente não me devolveu a cassete. Veio antes pedir-me desculpa por ele a ter perdido. Mas o surpreendente dessa noite de Natal foi o facto de o Santa Christmas ter chegado vestido a rigor e distribuído chocolates quando estávamos à volta de uma pista de dança. E depois da distribuição de chocolates fez uma espetacular demonstração de saltos mortais. Parecia mesmo um boneco de borracha.

Com raras exceções, nos hotéis do oriente não há presépios. Estes são substituídos por arranjos de coloridos embrulhos de compras. E a frase Gloria in Excelsis Deo é substituída por esta mais genérica: "Season's  Greetings"!

Atualmente em Portugal, posso dizer, o presépio que mais me tem impressionado é o do Centro Comercial das Amoreiras, porque consigo ver lá a mística de todos os presépios que mencionei.

Podia continuar aqui a fazer referências e a contar histórias de Natal interessantes. Mas já chegam estas para identificar a colorida aguarela do espírito de Natal que eu esperava encontrar em Belém da Judeia, na terra onde Jesus Cristo nasceu e onde aconteceu o verdadeiro presépio, que por ser real, foi o primeiro.

Fomos ao Campo dos Pastores.

Li que há em Belém três locais diferentes identificados pela convicção de que foi lá que aconteceu o anúncio da boa nova aos pastores.

Um primeiro guardado pela igreja ortodoxa grega, em Kanisat al Kuwat, onde se situam as ruínas de uma antiga igreja bizantina dedicada à boa nova dos pastores. Esse local, por se situar mais na linha informativa dos vários monumentos que foram sendo destruídos, é dado por muitos como o local mais provável do acontecimento.

Há um segundo local, confiado à guarda de uma igreja protestante, conhecido por YMCA of Beit Sharam, onde também se crê que a boa nova possa ter acontecido.

O terceiro lugar é aquele que fomos visitar, Khirbat Siyar al-Ghaim, e que está confiado à custódia dos franciscanos.

Posso dizer que este correspondeu, em muitos aspetos, ao cenário que os diferentes presépios foram criando no meu espírito.
 
 

O local está vedado por um muro em pedra não muito alto. A porta de entrada tem um arco onde podemos ler a expressão latina GLORIA IN EXCELSIS DEO. Depois seguimos uma centena de metros por um passeio cimentado com jardim de um lado e do outro. Chegamos a um pequeno largo com um chafariz em pedra com uma coluna no meio passando pelo centro de três pias em pedra que vão perdendo dimensão de baixo para cima. A mais baixa está apoiada em figuras de ovelhas, quase de tamanho natural, em pedra trabalhada. As duas superiores estão apoiadas também em motivos pastoris. A água desce em queda da pia mais alta, passando pelas outras duas, até cair no reservatório do chafariz.


Olhando para a direita, vemos uma espécie de tenda em pedra, que, afinal, é mais uma das igrejas que o arquiteto italiano António Barluzzi desenhou para a Terra Santa.


Dirigimo-nos para essa igreja e vemos que tem suspenso na fachada um grande anjo em bronze. Entramos na igreja e temos a impressão de ter entrado numa enorme tenda de campanha. A luz que vem da abóbada, das janelas e da porta de entrada fazem-nos sentir no campo. O ambiente próprio do dia da Natividade apodera-se de nós quando olhamos para a pintura em fresco que está na parede por detrás do altar-mor.



 
 
É particularmente bonito este quadro pelas cores, pela expressão das figuras, pela naturalidade do ambiente que nos consegue transmitir. Está ali a história da Natividade com uma força tão impressiva que nem muitas mil palavras nos conseguiriam transmitir.

Saímos da igreja e somos encaminhados para uma gruta que se encontra por detrás dela.


É um espaço bastante amplo que tem um altar para celebrações e que está decorada com motivos relativos aos pastores e à Natividade. Achei particularmente interessantes os objetos expostos no canto esquerdo de quem entra na gruta, principalmente as bilhas, com muitos séculos de história, que se encontram muito bem conservadas. Foram encontradas nas escavações feitas a uns trinta metros da gruta.


Fomos dar uma olhadela ao local das escavações que estão a trazer para a luz do dia aquilo que se supõe ter sido um convento do século IV, que estava preparado e equipado para a sobrevivência dos ocupantes a partir da atividade pastorícia e agrícola.


Feita a visita damos uma última olhadela ao complexo e aos campos em redor e tentámos imaginar como será ali uma noite estrelada.
 
Vemos que a construção urbana foi contida bastante a tempo de deixar este cenário com o seu aspeto rupestre. Por aqui poderiam pastar ainda hoje os rebanhos bíblicos. E podemos concluir que este cenário corresponde perfeitamente àquele em que foi cantada pela primeira vez o GLORIA IN EXCELSIS DEO. Os ecos far-se-iam ouvir pela encosta abaixo e seriam repetidos vezes sem fim pelas colinas em redor.

Com a gruta que visitámos em mente e com a linda vista que se alcança a partir do Campo dos Pastores somos levados a pensar que, afinal, a Natividade de Cristo poderia mesmo ter ocorrido nessa gruta.

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