quarta-feira, 28 de maio de 2014

Viagem à Terra Santa em 2014 - 4. Dia 23 de abril, de Cucujães a Telavive

O snooze do iphone acordou-nos pontualmente às sete horas da manhã. Foi com dificuldade que consegui acordar os dedos das mãos para o parar. Como já não estou habituado a grandes mudanças, tive que refletir uns instantes para me localizar. Estava num dos quartos do convento beneditino de Cucujães, agora seminário das missões, virado a nascente. Abri a janela e apareceu uma surpreendente paisagem com as nuvens a filtrar o sol e com os montes a aparecerem para além do vale próximo numa variedade de cores que ia do verde mais escuro até a um azul-bebé.

E, de imediato, uma catadupa de recordações se levantou do meu subconsciente.

Em setembro de 1962, entrei naquele seminário de Cucujães para começar a terceira fase da minha formação, dita de filosofia. No local onde agora me encontrava, mais ou menos, havia uma das janelas do dormitório em que, naquela altura, eu dormia. Vê-se daí uma encosta que desce até ao vale não muito acentuado, encosta essa ocupada em parte pela quinta do seminário.

Quase no começo da outra encosta há uma mancha verde bastante mais pequena do que a daquele tempo. Mas deu para imaginar o comboio a vapor que ali passava e apitava, deixando um vasto e prolongado traço de fumo sobre a cor verde do bosque.

Lembrei-me ainda de quando lavava as minhas camisas num dos lavatórios da casa de banho. Naquele ano de 1962, chegou à minha aldeia e tornou-se popular o nylon. A minha mãe, com as suas mãos de fada sábia, fez-me umas camisitas de nylon porque, dizia ela, secavam muito bem. Era só lavar com um pouco de pó Tide e pôr a escorrer um bocadinho e estavam prontas para vestir. Assim, disse-me ela, podes lavá-las tu no lavatório e andar sempre limpinho.

Após os necessários e comuns passos higiénicos saboreámos o nosso pequeno-almoço com os produtos que tínhamos comprado na véspera. Logo a seguir saímos para ir ao nosso carro, que ficaria no parque do seminário, depositar alguns artigos. Aproveitámos para dar uma olhadela à paisagem e para respirarmos um pouco de ar puro. Ao regressarmos ao quarto, deparámos já com duas simpáticas senhoras, vestidas em estilo de freira laica, que nos procuravam preocupadas porque o Sr. P. Artur tinha estado à nossa espera para o pequeno-almoço e receava que tivéssemos adormecido. Disseram-nos para irmos para o adro da igreja pois já lá estavam todos. Não víamos grande motivo para este convite à pressa pois a hora que nos tinha sido indicada era de um quarto para as nove e ainda estávamos bem a tempo.

Fomos dos primeiros a chegar. Aproveitámos para dar uma olhadela ao interior da igreja. É muito bonita com imagens muito impressivas, destacando-se, logo à entrada, uma monumental tela na parede do lado direito de quem entra.


A Linda fachada da Igreja Paroquial de Cucujães, anexa ao Seminário das Missões


Havia uma música de fundo de canto gregoriano, muito discreta e convidativa ao silêncio e oração. A capela-mor é profunda com janelas de ambos os lados. Àquela hora entravam pelas janelas do lado direito de quem está virado para o altar um conjunto de raios de luz que, juntamente com a música e a decoração religiosas, convertiam o ambiente em quase celestial.

O autocarro chegou à hora prevista. Bastante moderno e confortável.

Depois de uma contagem várias vezes repetida, iniciámos a nossa viagem com um cumprimento e apresentação inicial do nosso anfitrião e guia, a que se seguiu uma breve oração da manhã pedindo a proteção divina para nós, viajantes.

No percurso, o nosso guia ia dando informações sobre os diversos locais que conhecia bem. É pároco de Cucujães há quinze anos, indicativo suficiente para o elegermos como guia habilitado para a zona. E ele não se poupava, referenciando todos os edifícios e espaços públicos de um lado e do outro e dando informações sobre eles e sobre a própria povoação. Cucujães tem treze mil habitantes e é a maior freguesia do concelho de São João da Madeira. É maior que a freguesia do próprio concelho. E a avaliar pela expressão do P. Artur, podemos dizer que ele se sente feliz por ser prior de uma freguesia assim.

Nisto chegámos à A-32. Logo fomos convidados para reparar nas cores adotadas pelos construtores da estrada, o azul e o branco, o que condiz bem com o ambiente clubista dos habitantes nortenhos.

A A-32 é, na verdade, uma via rápida muito bonita. Houve um cuidado redobrado para afetar o menos possível o ambiente e para o compensar pelos danos causados, nomeadamente arrumando as terras removidas em locais estratégicos, empilhando-as segundo uma delicada conceção arquitetónica amiga da natureza.

Chegámos ao aeroporto a tempo e horas. Lá se juntaram ao grupo mais quatro participantes, o que fez com que o mesmo passasse a ser composto por trinta e cinco elementos. Da representante da agência de viagens Solid Travel recebemos um boné e uma mochila de viagem, ambos cor de laranja. Por recomendação dessa funcionária decidimos despachar para o porão os nossos tróleis individuais. Na verdade, vendo bem, não adiantávamos nada em levá-los para a cabine, pois havia muita gente do grupo a despachar bagagens para o porão. Assim não sairíamos mais cedo no local de destino, pois sempre teríamos de esperar por eles. Além do mais, em Bruxelas ficaríamos com as mãos mais livres para passear no aeroporto.

Tivemos de esperar bastante tempo, pois o avião em que viajaríamos ainda não tinha chegado de Bruxelas.

Ocorreu finalmente o embarque, com algum atraso, mas menos do que chegámos a temer. Já a bordo, deparei com o meu lugar ocupado por uma das participantes do grupo, uma mulher bastante idosa, vestida de preto que viajava sozinha, libertando um sorriso terno através das lentes dos seus óculos. Sentei-me no outro lugar de cabine por indicação do assistente de bordo. Mas um dos companheiros de viagem que viu o meu embaraço por ficar longe da minha companheira, propôs à senhora a mudança de lugar, não tendo sido difícil a sua aceitação. Para mim fez toda a diferença, pois se me visse embaraçado nas coisas insignificantes, e isso acontece-me com frequência, sempre me daria jeito ter uma ajudinha por perto. Além disso era o lugar a que eu tinha direito por estar marcado no bilhete.

A viagem do Porto para Bruxelas seguiu de perto toda a costa norte de Portugal, tendo eu aproveitado para tirar uma fotografia à zona da Póvoa de Varzim.

Depois seguiu a costa norte de Espanha e França, tendo eu reconhecido as ilhas de Guernsey e Jersey. E mais tarde entrou no continente em direção a Bruxelas.

Uma vez desembarcados, foi a altura de andarmos por corredores sem fim, com alguns tapetes rolantes, para passarmos para a zona B do aeroporto. Descemos e subimos várias vezes. Houve um novo controlo de segurança, que me pareceu bastante rigoroso mas não muito demorado. Já na zona B demos uma olhadela às lojas e acabámos por comer um iogurte grande com doce de morango que nos forneceu alento para o resto da espera.

Enquanto esperávamos pelo embarque, observámos um grupo de judeus virados para uma parede que, àquela hora, faziam as suas orações, presumo eu que virados para Jerusalém.

Foi finalmente feita a convocação para o embarque. A passagem do balcão de controle foi relativamente rápida, mas a entrada no avião foi demorada. Vimos que ainda estavam a carregar bagagens. Mas lá chegou a nossa vez de ser arrumados. Não me lembro de alguma vez ter apanhado um lugar assim, na última fila do lado esquerdo do avião mesmo junto às casas de banho. Foi muito incómodo sentir a permanente descarga dos autoclismos das duas casas de banho traseiras, uma delas mesmo atrás de nós. Isto numa viagem de cerca de cinco horas.

O meu companheiro do lado direito que viaja com a mulher, mas sentados em lugares separados, começou por dizer que já tinha ido várias vezes à Terra Santa na excursão do P. Artur e que a sua mulher é mesmo cliente fiel, pois faz questão de não perder uma. Podia contar à vontade já dez viagens. Mais disse que tem apenas a quarta classe, mas que possui uma pequena empresa onde emprega a família e mais vinte cinco pessoas. O objeto da empresa é o fabrico de estores e todo o tipo de acessórios, incluindo motores, estando já a exportar para diversos países. Mostrou-me depois a fotografia dos netos, dois meninos e duas meninas, a mais velha já com dezasseis anos.

O serviço de bordo da Bruxelles Airlines foi bastante bom, quer no primeiro percurso do Porto a Bruxelas quer no de Bruxelas a Telavive. Os pratos quentes, carne ou peixe, a escolher no segundo voo, estavam mesmo quentes e com temperos e paladares aceitáveis para os nossos padrões.

A chegada a Telavive ocorreu por volta da meia-noite e meia hora. Depois foram as formalidades de saída, sendo de referenciar que para se entrar em Israel não é necessário preencher formulários. Apresenta-se o passaporte e o bilhete no guichet de emigração e, de imediato, nos entregam um pequeno cartão com a nossa fotografia, que serve para sair do aeroporto e para circularmos no país.

Foi relativamente rápido o percurso para o Le Grand Hotel. Apesar de ser enorme, tem um ambiente acolhedor, incluindo internet livre, o que, nos tempos modernos, é muito útil.

Havia que ir dormir pois eram quase duas da manhã locais, mais duas horas do que em Portugal, e o morning call estava previsto para as oito.

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