segunda-feira, 20 de maio de 2013

A arte flamejante da pintora Odete Silva

A pintora Odete Silva proporcionou-nos uma visita guiada à sua exposição numa das galerias da Sociedade Nacional de Belas Artes.

Simples, humilde, sorridente, explicou-nos alguns dos pormenores técnicos dos seus trinta e tantos quadros que ali se encontravam. De tudo o que disse tocou-me particularmente a frase que, só por si, resume a visita: “pintei nestes quadros as cores que o meu Alentejo exibe nesta altura do ano”. A visita ocorreu no dia 2 de Maio de 2013, que correspondia ao último dia da exposição.

E como são bonitas as cores dos campos alentejanos num dia de sol primaveril!



As obras de arte têm a importante particularidade de permitir aos que as observam uma leitura subjectiva. E tive oportunidade de então contar à senhora Pintora a impressão espontânea que se apoderou de mim, logo na primeira vez que vi a exposição. O meu espírito encheu-se das cores, sons, cheiros e sabores da Festa da minha aldeia, que ocorre sempre no começo da Primavera. Lá a Festa é a Páscoa. Quando um emigrante ou um militar escreve à Família dizendo que tenciona ir à aldeia pela Festa, quer dizer simplesmente a Páscoa e não o Natal ou outra solenidade.

Na primeira vez que entrei na exposição disse instintivamente para comigo: “Olha, está aqui representada a Festa!” Aqueles inúmeros traços coloridos ganharam movimento, produziram sons e geraram imagens, sabores e cheiros.



Na Páscoa os campos da minha aldeia estão assim coloridos, com grandes manchas de cores vivas, seja de malmequeres amarelos, de margaças brancas ou outras flores silvestres. Muitas árvores de fruto exibem as suas roupagens brancas ou cor-de-rosa, a contrastar com o céu azul. À meia-noite do domingo da Ressureição, e isto mais no antigamente, geravam-se ranchos espontâneos de pessoas que seguiam em cortejos diversos pelas ruas da aldeia, cantando as alvíssaras.

No domingo, os sinos repicavam e o compasso saía com as cores garridas do pálio, dos paramentos, do pendão paroquial, dos estandartes e das bandeiras das irmandades, levantados por pessoas, trajando opas vermelhas ou brancas. E depois havia uma parte do compasso que percorria a aldeia de lés a lés, dando as boas festas de casa em casa.

“Pax sit in domo hoc!”. Era assim que o prior dizia ao entrar em cada casa, enquanto retirava o hissope da caldeirinha e aspergia as famílias com água benta. E fazia isto vezes sem conta durante todo o domingo. Todos os presentes beijavam a imagem de Cristo, numa cruz processional ornada com flores, transportada pelo sacristão.

Na segunda-feira, o compasso levava o mesmo ritual a todas as quintas habitadas que circundavam a sede da freguesia.

E em todas as casas havia bolos de leite, amêndoas, vinho e jarros de flores nas mesas. Os respectivos odores enchiam o ambiente, que assim era de uma verdadeira festa.

E tudo isto eu senti representado nos quadros da exposição da pintora Odete Silva…

1 comentário:

José Freire disse...

Muito interessante e giro. Parabéns !