segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Passagem de ano em Cabo Verde – 21. O Campo de Trabalho de Chão Bom

Entrámos na rua principal que divide o campo em duas partes e vimos, à direita, um edifício mais baixo usado como sala de visitas e outro idêntico, do lado esquerdo, destinado a apoio logístico.


Na sala de apoio logístico é que, provavelmente, os prisioneiros eram recebidos e tinham o seu primeiro contacto com o campo. Era-lhes ditada a cartilha das regras de internamento e eram obrigados a deixar as suas roupas e bens pessoais para receberem em troca as fardas de prisioneiros. A partir dali eram tratados como se não fossem gente.


Eram a seguir escoltados até ao barracão que seria a sua morada até… não sabiam quando. Se eram guineenses ou angolanos eram conduzidos para a parte direita do campo por uma porta que se abria quase ao fundo da rua, antes do posto médico. Se eram cabo-verdianos eram conduzidos para a porta da parte oposta. No caso de serem portugueses não conseguimos adivinhar para onde é que os levariam.

Podemos imaginar a cena. As pesadas portas metálicas abriam-se e fechavam-se com estrondo. Os ferrolhos rangiam devagarinho, com um ruído que esfarrapava os ouvidos. Estes barulhos eram como que um aperitivo oferecido aos recém-internados para lhes servir de música de fundo nos sonhos da primeira noite no campo.

O simples pensar nestas coisas provocou-nos calafrios e obrigou-nos a olhar, mais do que uma vez, para os portões da entrada principal para confirmar se se mantinham efectivamente abertos.


Entrámos pela porta que dá acesso à parte nascente.


Logo deparámos, à direita, com um enorme barracão de dois pavilhões, sendo o primeiro para os detidos guineenses e o outro para os angolanos. É no pavilhão dos guineenses que está afixada uma boa parte do acervo de documentação explicativa do que foi o Tarrafal. Essa documentação é constituída por cartazes com cópias de documentos, muitos com o carimbo da Torre do Tombo. Alguns dos cartazes têm simultaneamente o logo da Fundação Mário Soares e o da Fundação Amílcar Cabral.



O pavilhão é bastante comprido. Ao fundo há uma espécie de reservado com latrinas e lavatórios. Este espaço tem aspecto de já ter sido devassado após libertação dos presos pois tudo o que podia ser partido e levado falta agora ali: canos, torneiras, lavatórios e portas. Deve ter acontecido algo semelhante ao que aconteceu com o muro de Berlim onde deu a febre a muita gente para ir lá partir um pedacinho do muro para depois o tentar vender a curiosos.


Começámos a observar a documentação e verificámos que, afinal, o nome do campo, aquele que aparece nos documentos oficiais é “Campo de Trabalho de Chão Bom”.

Tínhamos iniciado a nossa observação, quando se aproximou de nós e nos interpelou um turista solitário, alto e com pele e cabelos ruivos. Falava um inglês não nativo e quisemos logo saber de onde era.

Era holandês e viajava sozinho por Cabo Verde. Estava ali com muito interesse pois tinha visitado recentemente Auschwitz e estava a fazer uma tese sobre campos de concentração. Mas estava desapontado. “Disapointed” foi o termo que ele usou. Dada a fama do campo de concentração do Tarrafal estava à espera de encontrar ali vitrinas com muitas caveiras e outros ossos humanos. Mas não via nenhuns. Só tinha visto afixada na parede uma curta lista de gente ali falecida.

~

E entendia que era normal haver sempre gente que morre.

Dissemos-lhe que Auschwitz e Tarrafal eram duas realidades muito diferentes. Enquanto um era de extermínio, o outro era de detenção. E ele disse que afinal as coisas ali no Tarrafal não eram assim tão más. Ao que respondemos que aquilo ali não era propriamente um hotel. E coitados daqueles que tiveram de passar por lá.



A documentação existente no pavilhão dos angolanos é essencialmente constituída por cartazes com fotografias de ex-prisioneiros, tendo por baixo uma frase em que, de maneira sintética, cada um caracteriza a sua dura vivência nesse local. Há também algumas banquetas com vitrinas onde se encontram expostos objectos diversos desde documentos a objectos pessoais de alguns dos presos.

Sem comentários: